#031 - Contador Geiger-Müller

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O objetivo desta postagem é mostrar o projeto de um contador Geiger-Müller sensível às radiações Alfa, Beta e Gama.

 Escrito e desenvolvido por Léo Corradini

O projeto começou com a escolha da válvula Geiger-Müller.
Optei pela americana modelo  LND712 porque ela é pequena, trabalha com tensão de polarização relativamente baixa (500V) e é capaz de detectar radiação Alfa, Beta e Gama. 

Para ser sensível à radiação Alfa ela tem uma janela de mica, que a torna muito frágil.





A clássica válvula Geiger-Müller russa SBM-20 ao lado da LND-712, muito usada nos contadores de radiação, é mais barata. 
Mas, ela não tem a janela de mica impossibilitando a detecção das partículas Alfa.






O gráfico mostra a relação entre contagens e a tensão de polarização da válvula Geiger-Müller, quando exposta à radiação constante.
Os valores são específicos para o modelo LND-712, mas o jeitão da curva é típico para todas.




Existe uma tensão mínima (325 V) para início de funcionamento com um aumento rápido das contagens até atingir a região de platô.

A região de platô é a mais importante, desta válvula fica entre 450 e 650V, nela fica situada a tensão de funcionamento da válvula, no caso 500 V.


Em princípio, podemos trabalhar com qualquer valor de tensão dentro do platô, porém o fabricante recomenda um valor próximo ao centro da região plana.

Assim, temos uma tolerância maior para um funcionamento estável.
Outra vantagem é que não precisamos usar uma fonte de alta tensão com regulação muito precisa.

Acima do platô as contagens voltam a crescer rapidamente e ocorre a produção de descargas erráticas no gás.

A figura abaixo mostra a polarização e funcionamento da válvula.


Esse aparelho totaliza os pulsos gerados pela válvula Geiger-Müller.




O circuito integrado temporizador 555 é um dos projetos de maior sucesso na eletrônica, desde a sua criação em 1971 pela Signetics até os dias presentes.
Seu irmão da família CMOS o TLC555CP da Texas Instruments foi fundamental no projeto da fonte de 500 volts (a partir de uma alimentação de 4,5V) para polarizar a válvula Geiger-Müller LND-712.

Seu baixo consumo aliado a um funcionamento preciso permitiu construir um gerador de tensão bastante alta com um consumo total do circuito de menos de 4mA.
Isso permite que três pilhas alcalinas tipo AA tenham uma autonomia bastante grande, tipicamente 30 dias.

Medir a radiação de fundo e das amostras, que são de baixa intensidade, exige que o contador fique ligado por muitas horas de forma ininterrupta.
O uso de alimentação de fontes ligadas à rede elétrica, nesse tipo de experimento, pode aumentar o nível de ruído elétrico, falseando muito os resultados.



Gerador de alta tensão

O gerador de alta tensão é baseado no circuito postado por Tom Napier na revista Nuts & Volts de janeiro de 2004 pag 46. 

Decidi por esse circuito pela simplicidade, precisão no funcionamento e também por não ser necessário o uso de um transformador, apenas um indutor.

O temporizador TLC555CP gera pulsos na faixa de 3 kHz, o tempo ligado depende da corrente de emissor do transistor chaveador de alta tensão BUW84.
O transistor 2N2222 monitora a corrente de emissor do BUW84 e quando esta é suficiente para gerar uma queda de tensão, sobre o resistor de 15 ohms mais o valor ajustado no trimpot de 10 ohms, superior a barreira de potencial da junção base-emissor do transistor 2N2222 este entra em condução resetando o TLC555CP que por sua vez vai desligar o BUW84.

Isso vai gerar alta tensão sobre o indutor de 15mH ligado ao coletor de BUW84 que será direcionada através do diodo UF4007 para o filtro composto por dois capacitores de 10nF ligados por um resistor de 1 Mohm.
Outro resistor de 1 Mohm mais um de 10 Mohm polarizam a válvula com a alta tensão.


O resistor de 10 Mohm desacopla a válvula Geiger das capacitâncias parasitas do circuito impresso que reduziriam a vida útil desta.
Perceba que a realimentação para o controle da alta tensão é feita na entrada e não na saída como tipicamente se faz, ou seja, usando divisores resistivos na saída de alta e realimentado para o circuito de controle (2N2222).

A razão para essa escolha é a economia de energia, um divisor resistivo na linha de alta tensão causaria um  aumento de consumo de corrente que reduziria a autonomia das pilhas.  Também torna o circuito mais confiável porque resistores submetidos à alta tensão tendem a abrir com o tempo principalmente se houver uma corrente passando por eles. Existem resistores especiais para essa aplicação (metal glazed), mas atualmente são difíceis de serem encontrados.

 
A desvantagem desse tipo de abordagem é a perda da estabilidade do valor da alta tensão. 
Em função, principalmente, da variação do valor da barreira de potencial da junção base-emissor do transistor controlador 2N2222, mas como veremos adiante isso não chega ser crítico.


Outro problema que isso causa é a dificuldade para ajustar a tensão na saída.
Acontece que os multímetros comuns, com 10 Mohms de resistência interna na faixa de tensão contínua, não são apropriados para medir e ajustar os 500 volts gerados pela eletrônica do contador Geiger. 
O gerador de alta tensão não é capaz de prover a corrente necessária para o correto funcionamento desse voltímetro. 
Em outras palavras, os 10 Mohms representam uma carga muito grande, produzindo uma queda inaceitável na tensão medida.





Para resolver esse problema, montei um voltímetro com uma resistência interna de 1,6 Gohms, usei oito resistores de 200 Mohms em série no divisor de entrada. 
 A válvula Geiger-Müller comporta-se, na maior parte do tempo, como um circuito aberto não causando queda de tensão na fonte de alta tensão. 
Quando um evento de radiação é detectado, aparece um pulso de corrente com duração de ~100 µs que é limitada pelos dois resistores de polarização. 

 Os pulsos oriundos da detecção da radiação e derivados pelo capacitor de 56pF vão diretamente para a porta de um disparador schmitt trigger, usei o CMOS 40106B  que trabalha com uma histerese no nível de acionamento que ajuda na redução de ruídos aleatórios presentes no sinal original.



Conformador de pulsos e gerador de bip


No protótipo do contador, quando a válvula detecta alguma radiação, acontecem três coisas: 

- Pisca um LED vermelho. 
- Emite um bip. 
- Aumenta uma contagem no totalizador.






Configuração atual do contador Geiger, o consumo de corrente é pequeno (3,6mA) que permite, com 3 pilhas alcalinas AA, o funcionamento da eletrônica por 30 dias de forma ininterrupta. 
Essa autonomia é importante porque o contador precisa ficar ligado por longos períodos de tempo, principalmente quando está medindo fontes de baixa radioatividade. 




Tipicamente os contadores Geiger dão valores instantâneos no display ou no ponteiro, em geral, contagens por minuto (CPM) e/ou μSv/h.
Decidi que nesse protótipo o funcionamento fosse um pouco diferente, ou seja, ao invés do display indicar o valor instantâneo, ele iria totalizar os pulsos produzidos pela válvula Geiger-Müller.

Assim, para fazer uma medida, ligo o contador e disparo um cronômetro e depois de um tempo, em geral 24 horas, anoto o valor totalizado de pulsos gerados pela válvula e calculo as contagens por minuto.  

Como o fenômeno da emissão radioativa é aleatória, médias produzidas por totalizações de longa duração, dão valores mais consistentes.
Para a válvula usada nesse projeto (LND712), 100 CPM equivalem a 1 µSv/h.


Ensaio para medir a dependência térmica da alta tensão que polariza a válvula Geiger. 




O amperímetro, em cima à esquerda, mostra a corrente consumida pela placa eletrônica durante os testes. 
O voltímetro, em cima à direita, mostra a tensão de alimentação que foi mantida constante em 4,00 volts.
O voltímetro, em baixo a esquerda, mostra a alta tensão de polarização da válvula. 
A fonte de alimentação ajustável, em baixo à direita, mantém a tensão de alimentação estável em 4,00 volts.
Em cima no centro, o termômetro usado nos testes.


Valores encontrados:

21,4°C -> 500V -> 3,8mA (*)
22,1°C -> 498V -> 3,7mA
23,4°C -> 494V -> 3,7mA
24,4°C -> 492V -> 3,7mA
25,3°C -> 490V -> 3,7mA
27,2°C -> 483V -> 3,6mA
27,8°C -> 482V -> 3,6mA

(*) - A alta tensão (500V) foi ajustada nesse ponto.


A partir desses valores podemos obter a seguinte equação:

E = (3585,2 - 18 T) / 6,4

Onde:
E -> alta tensão
T -> temperatura ambiente

Usando a equação e simulando uma variação da temperatura ambiente de 10 a 40°C, temos os valores:


10°C -> 532V
40°C -> 448V

O valor da alta tensão à 40°C sai um pouco do valor ideal de funcionamento da válvula.
Mas, isso pode ser resolvido calibrando-se a alta tensão em 500V numa temperatura um pouco mais alta (~25°C).
Agora, faltaria combinar a variação da tensão das pilhas com a temperatura ambiente para termos um valor mais realístico.


De qualquer forma, valores medidos ao longo de vários meses de funcionamento do contador, mostraram um mínimo de 490V e um máximo de 517V.

Assim, a grande faixa de funcionamento (platô) da válvula LND712 (450~600V), permite usar um circuito gerador de alta tensão sem realimentação da saída para a entrada. 
Realimentação esta que permitiria manter a alta tensão estável e independente da tensão das pilhas e da temperatura ambiente.

Não seria difícil implementar tal controle, no entanto isso causaria um aumento desnecessário no consumo de corrente da eletrônica, reduzindo a vida útil das pilhas que atualmente é de 30 dias.

Ensaio para medir o consumo do circuito bem como a flutuação da alta tensão em função da tensão de alimentação.
O contador Geiger experimental é alimentado por três pilhas, o circuito não possui regulação da tensão, assim ele deve funcionar corretamente na faixa de 3 a 4,5 V.






Não regulei a tensão porque isso demandaria uma tensão maior na entrada e haveria desperdício de energia.
No ensaio, são usados dois voltímetros um amperímetro e uma fonte com saída de tensão ajustável.
Esses dispositivos foram projetados especialmente para o desenvolvimento do contador.

O voltímetro da esquerda (indicando 4,00V) mostra a tensão de alimentação, o voltímetro seguinte mostra a tensão de polarização da válvula Geiger (indicando 500V), esse voltímetro tem uma resistência de entrada bem alta (1,6Gohm) para não sobrecarregar o circuito gerador de alta tensão que iria causar erros na medição e aumento irreal na corrente de alimentação.

Em condições normais de funcionamento, a corrente consumida na polarização da válvula tem um valor médio bem baixo, principalmente quando medimos pequenos níveis de radioatividade.
O próximo aparelho é um amperímetro (indicando 3,7mA) que mostra o consumo da eletrônica.

E finalmente, a fonte de alimentação com saída ajustável na faixa de 2,5 a 5V. 
A alta tensão gerada deve ficar, ao longo da vida útil das pilhas, com valor próximo de 500V (valor nominal de funcionamento da válvula Geiger).
A válvula funciona adequadamente com uma polarização entre 450 a 650V, o chamado platô de operação.

Alguns valores de um ensaio típico:


Temperatura no momento do ensaio -> 21,8°C.

4,76V -> 500V -> 3,6mA (**)
4,50V -> 502V -> 3,7mA
4,00V -> 506V -> 3,8mA
3,50V -> 512V -> 4,0mA
3,00V -> 520V -> 4,5mA

Os resultados mostram que a alta tensão se manteve dentro da faixa de funcionamento normal da válvula LND712 (450~600V).

(**) - A alta tensão foi ajustada em 500V com a tensão de pilhas novas.




Fonte regulada, ajustável e portátil (modelo novo)


A saída pode ser ajustada de 2,50 a 5,00 volts, corrente máxima de 20mA.

Foi projetada para ser usada no desenvolvimento das placas eletrônicas do contador Geiger.
Com ela posso simular a tensão do conjunto de pilhas que varia ao longo da vida útil de 4,5 a 2,90 volts (3 pilhas).

É importante que a alimentação seja produzida por uma fonte desvinculada da rede elétrica. 
Para minimizar possíveis interferências no funcionamento dos circuitos, principalmente os estágios que vão detectar os pulsos oriundos da válvula Geiger-Müller.

Atualmente, ela funciona com seis pilhas alcalinas tamanho AA (9 volts), com um voltímetro integrado que facilita o ajuste da tensão de saída e a verificação do estado de carga das pilhas. 




Ensaio para mostrar a amplitude dos pulsos na saída da válvula


Como podemos ver, na tela do osciloscópio, a amplitude dos pulsos é variável.
A válvula Geiger não permite quantificar a energia da partícula incidente.
A avalanche de elétrons produzida descaracteriza essa energia.

Assim, a amplitude do pulso pode estar relacionada com a distância de onde iniciou a avalanche até o eletrodo central (ânodo). 





Testando a placa eletrônica com a radiação do Cloreto de Potássio



Ensaiando a radioatividade em uma amostra de granito

Como totalizador dos pulsos usei um SUB-CUB:
http://www.redlion.net/product/sub-cub1-displaycounter-module




Datasheet:
http://www.redlion.net/sites/default/files/213/6233/SCUB%201%20and%20SCUB%202%20Product%20Manual.pdf


Veja também:
https://potassio-40.blogspot.com.br/2017/11/uma-das-formas-que-desenvolvi-para.html


Comentários

  1. Você comprou a LND712 onde?

    pode enviar a resposta para tiago@feg.unesp.br

    Tiago Raimundo da Silva
    Obrigado

    ResponderExcluir
  2. Seria possível usar o tubo ZP1400 PHILIPS?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim , sem modificações, a ZP1400 também funciona com 500V.

      Excluir
  3. Olá Leo, estou juntando as partes para montar um contador gaiger. Enquanto as válvulas não chegam, te pergunto, este módulo sub-cub que usou, por acaso é um pedometro?

    Pois me lembro que os mais baratos como este aqui:

    https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-878098036-pedmetro-lcd-digital-distncia-vermelho-frete-r1000-_JM

    Usam uma artimanha mecânica com um pendulo para contagem, acredito que possa ser usado como totalizador de pulsos. Custa barato e está aqui no brasil.

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  4. Olá Luciano, desculpe a demora, não é um pedômetro.
    O pedômetro tem um debouncing relativamente grande para evitar contagens espúrias que acaba comendo alguns pulsos, resultando em totalizações menores.

    ResponderExcluir

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